“Será que suplementar na seca, mesmo com pouco pasto, ajuda ou atrapalha?”
Essa é uma dúvida real, legítima — e muito comum entre produtores durante o período seco. Mas será que esse raciocínio se sustenta na prática?
Antes de responder, vamos alinhar uma coisa importante: se você está sem pasto, o problema já começou muito antes da dúvida sobre o uso do proteinado. E aí, o ideal seria rever seu planejamento forrageiro e estratégias de manejo.
Mas como o estrago já está feito (e a seca não espera), vamos focar no agora na pergunta inicial: vale a pena suplementar com pouco pasto disponível? Isso pode ajudar ou atrapalhar ainda mais o desempenho dos animais?
O papel do proteinado na seca
No conteúdo anterior aqui do blog, explicamos por que a suplementação proteica é a base da estratégia nutricional na seca. O foco é colocar o rúmen para funcionar bem: melhorar a degradação da fibra, acelerar a taxa de passagem e, com isso, aumentar o consumo de matéria seca (MS) e o ganho de peso.
É aí que surge a dúvida:
“Mas se o proteinado faz o boi comer mais… e eu tô sem pasto, não vai piorar a situação?”
Parece fazer sentido. Mas vamos olhar isso com mais atenção.
Pasto rapado: o que realmente limita o consumo?
O raciocínio estaria correto se não houvesse restrição de forragem. Em um cenário com boa disponibilidade de pasto seco, suplementar com proteína aumenta o consumo, sim — e esse é justamente o objetivo.
Mas quando o pasto está rapado, o consumo não é mais limitado pelo funcionamento do rúmen, e sim pela disponibilidade e estrutura da forragem.
O animal quer comer, o rúmen está pronto para trabalhar, mas o pasto não permite!
Vamos entender isso com números.
Fazendo conta junto: quanto tempo o boi precisa para pastejar?
Assumindo que um animal de 300 kg consome 2% do seu peso vivo em pasto seco (6 kg de MS), vamos ver quanto tempo ele precisa para atingir essa quantidade.
Em condições ideais, temos:
- Peso por bocado: 1 g de MS
- Velocidade pastejo: 30 bocados por minuto (ou 2 segundos por bocado)
Para consumir 6.000 g de MS, o animal precisa dar 6.000 bocados.
A 2 segundos por bocado, ele gastaria cerca de 3 horas e meia de pastejo.
Agora vamos para o cenário real da seca, com pasto seco, mal estruturado:
- Peso por bocado: 0,5 g (ou menos)
- Tempo por bocado: 6 segundos
Para consumir os mesmos 6.000 g, ele precisa agora dar 12.000 bocados.
A 6 segundos por bocado, isso significa quase 20 horas de pastejo.
Impossível.
Mesmo que quisesse, o animal não tem tempo no dia para pastejar essa quantidade — ainda precisa ruminar, descansar, buscar água…
Um exercício prático para sentir isso na pele
Se ainda restar dúvida, proponho um desafio simples:
Pegue uma sacolinha e vá até um pasto com boa oferta de forragem.
Simule um animal pastejando, “colhendo” as folhas com a mão. Anote o tempo que leva para encher a sacola.
Depois, repita o mesmo exercício num pasto rapado, seco, com estrutura ruim.
O tempo que você vai levar para encher a mesma sacola é a melhor explicação do problema que estamos tratando aqui.
Por que você deve usar proteinado nessa situação
Agora vamos retomar a pergunta inicial com uma visão mais clara.
Se o pasto é limitante, o consumo total já está comprometido.
Mas tem mais um ponto: o pouco que o animal consegue consumir, ele ainda aproveita mal.
Isso porque, com deficiência de nitrogênio (proteína), o rúmen não funciona adequadamente. As bactérias não têm “matéria-prima” para degradar a fibra — e o alimento passa, sem ser bem aproveitado.
Ou seja:
O animal já come pouco… e ainda aproveita mal o pouco que come.
É aqui que o proteinado entra como ferramenta fundamental.
Ao fornecer fontes de nitrogênio rapidamente disponíveis, você “acende a luz” no rúmen. O alimento que o boi conseguir colher vai ser melhor aproveitado, com mais degradação da fibra e mais absorção de nutrientes.
Mas o proteinado não faz o boi comer mais?
Sim, em condições normais, o consumo de pasto aumenta com a suplementação proteica.
Mas em cenário de “pasto rapado”, isso não acontece, porque o limitante passou a ser a forragem disponível, não mais o funcionamento do rúmen.
Logo, não há risco de aumentar o consumo de pasto — porque não há pasto para ser consumido a mais.
Por outro lado, há grande benefício em melhorar a eficiência do uso do pouco que ainda existe.
Conclusão: o que realmente importa
Em pasto rapado, não suplementar é pior.
O consumo já está limitado. E sem proteinado, o que o animal conseguir colher ainda será mal aproveitado.
Suplementar com proteína ajuda a potencializar o pouco que o animal consegue consumir, entregando melhor aproveitamento da fibra e mais ganho de peso — mesmo com limitação forrageira.
E mais importante: não se engane achando que a culpa é do proteinado. A raiz do problema está na falta de pasto, que é um reflexo direto de planejamento forrageiro falho.
Se você também já se perguntou se suplementar na seca com pouco pasto ajuda ou atrapalha, agora sabe: ajuda — e muito.
Mas é preciso entender por que e como usar a estratégia certa.
Aqui no NaFazenda, a gente fala (muito) sobre como construir um sistema de produção mais previsível e estratégico — inclusive em épocas secas.
Você pode explorar mais conteúdos como este aqui no blog, nos nossos cursos e nas aulas abertas no canal.
Seguimos juntos!