Suplementar na seca com pouco pasto: ajuda ou atrapalha?

Foto de Matheus Moretti

Matheus Moretti

“Será que suplementar na seca, mesmo com pouco pasto, ajuda ou atrapalha?”

Essa é uma dúvida real, legítima — e muito comum entre produtores durante o período seco. Mas será que esse raciocínio se sustenta na prática?

Antes de responder, vamos alinhar uma coisa importante: se você está sem pasto, o problema já começou muito antes da dúvida sobre o uso do proteinado. E aí, o ideal seria rever seu planejamento forrageiro e estratégias de manejo.

Mas como o estrago já está feito (e a seca não espera), vamos focar no agora na pergunta inicial: vale a pena suplementar com pouco pasto disponível? Isso pode ajudar ou atrapalhar ainda mais o desempenho dos animais?

O papel do proteinado na seca

No conteúdo anterior aqui do blog, explicamos por que a suplementação proteica é a base da estratégia nutricional na seca. O foco é colocar o rúmen para funcionar bem: melhorar a degradação da fibra, acelerar a taxa de passagem e, com isso, aumentar o consumo de matéria seca (MS) e o ganho de peso.

É aí que surge a dúvida:

“Mas se o proteinado faz o boi comer mais… e eu tô sem pasto, não vai piorar a situação?”

Parece fazer sentido. Mas vamos olhar isso com mais atenção.

Pasto rapado: o que realmente limita o consumo?

O raciocínio estaria correto se não houvesse restrição de forragem. Em um cenário com boa disponibilidade de pasto seco, suplementar com proteína aumenta o consumo, sim — e esse é justamente o objetivo.

Mas quando o pasto está rapado, o consumo não é mais limitado pelo funcionamento do rúmen, e sim pela disponibilidade e estrutura da forragem.

O animal quer comer, o rúmen está pronto para trabalhar, mas o pasto não permite!

Vamos entender isso com números.

Fazendo conta junto: quanto tempo o boi precisa para pastejar?

Assumindo que um animal de 300 kg consome 2% do seu peso vivo em pasto seco (6 kg de MS), vamos ver quanto tempo ele precisa para atingir essa quantidade.

Em condições ideais, temos:

  • Peso por bocado: 1 g de MS
  • Velocidade pastejo: 30 bocados por minuto (ou 2 segundos por bocado)

Para consumir 6.000 g de MS, o animal precisa dar 6.000 bocados.

A 2 segundos por bocado, ele gastaria cerca de 3 horas e meia de pastejo.

Agora vamos para o cenário real da seca, com pasto seco, mal estruturado:

  • Peso por bocado: 0,5 g (ou menos)
  • Tempo por bocado: 6 segundos

Para consumir os mesmos 6.000 g, ele precisa agora dar 12.000 bocados.

A 6 segundos por bocado, isso significa quase 20 horas de pastejo.

Impossível.

Mesmo que quisesse, o animal não tem tempo no dia para pastejar essa quantidade — ainda precisa ruminar, descansar, buscar água…

Um exercício prático para sentir isso na pele

Se ainda restar dúvida, proponho um desafio simples:

Pegue uma sacolinha e vá até um pasto com boa oferta de forragem.

Simule um animal pastejando, “colhendo” as folhas com a mão. Anote o tempo que leva para encher a sacola.

Depois, repita o mesmo exercício num pasto rapado, seco, com estrutura ruim.

O tempo que você vai levar para encher a mesma sacola é a melhor explicação do problema que estamos tratando aqui.

Por que você deve usar proteinado nessa situação

Agora vamos retomar a pergunta inicial com uma visão mais clara.

Se o pasto é limitante, o consumo total já está comprometido.

Mas tem mais um ponto: o pouco que o animal consegue consumir, ele ainda aproveita mal.

Isso porque, com deficiência de nitrogênio (proteína), o rúmen não funciona adequadamente. As bactérias não têm “matéria-prima” para degradar a fibra — e o alimento passa, sem ser bem aproveitado.

Ou seja:

O animal já come pouco… e ainda aproveita mal o pouco que come.

É aqui que o proteinado entra como ferramenta fundamental.

Ao fornecer fontes de nitrogênio rapidamente disponíveis, você “acende a luz” no rúmen. O alimento que o boi conseguir colher vai ser melhor aproveitado, com mais degradação da fibra e mais absorção de nutrientes.

Mas o proteinado não faz o boi comer mais?

Sim, em condições normais, o consumo de pasto aumenta com a suplementação proteica.

Mas em cenário de “pasto rapado”, isso não acontece, porque o limitante passou a ser a forragem disponível, não mais o funcionamento do rúmen.

Logo, não há risco de aumentar o consumo de pasto — porque não há pasto para ser consumido a mais.

Por outro lado, há grande benefício em melhorar a eficiência do uso do pouco que ainda existe.

Conclusão: o que realmente importa

Em pasto rapado, não suplementar é pior.

O consumo já está limitado. E sem proteinado, o que o animal conseguir colher ainda será mal aproveitado.

Suplementar com proteína ajuda a potencializar o pouco que o animal consegue consumir, entregando melhor aproveitamento da fibra e mais ganho de peso — mesmo com limitação forrageira.

E mais importante: não se engane achando que a culpa é do proteinado. A raiz do problema está na falta de pasto, que é um reflexo direto de planejamento forrageiro falho.

Se você também já se perguntou se suplementar na seca com pouco pasto ajuda ou atrapalha, agora sabe: ajuda — e muito.

Mas é preciso entender por que e como usar a estratégia certa.

Aqui no NaFazenda, a gente fala (muito) sobre como construir um sistema de produção mais previsível e estratégico — inclusive em épocas secas.

Você pode explorar mais conteúdos como este aqui no blog, nos nossos cursos e nas aulas abertas no canal.

Seguimos juntos!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Gostou desse conteúdo?

Compartilhe com seus amigos